Sintam-se à vontade para contribuir com esse trabalho. Não detenho profundo conhecimento sobre a época, na sua totalidade. As postagens inseridas neste blog vão de encontro com a minha vivência nos bailes da época.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A Origem do Samba-Rock


          Samba-rock é um estilo de dança que surgiu da criatividade dos frequentadores dos bailes em casas de família e salões da periferia de São Paulo no final da década de 60 começo da década de 70 mesclando-se os movimentos do rock and roll  com os passos do Samba de gafieira.
Na primeira metade da década de setenta fora chamado por diversos nomes Sambalanço, Swing, Rock Samba, e finalmente Samba-rock por causa do lançamento da primeira coletânea que continham músicas que eram tocadas nos bailes de samba-rock e regravadas especialmente para estes bailes.
A primeira coletânea lançada em 1978 e que se chamava “Samba Rock o Som dos Black`s” deu início a uma nova era para o samba-rock onde eram re-gravados vários sucessos de bailes da época fazendo com que fosse mais fácil o acesso a essas músicas que até então eram músicas fora de catálogo e difíceis de se encontrar, tornando assim o Samba-rock mais conhecido na grande São Paulo e outros estados.
A forma de se dançar samba-rock foi sendo aprimorada com os festivais de dança de onde os dançarinos disputavam entre si para ver quem era o melhor.
As disputas entre os dançarinos de samba-rock seguiam os mesmo moldes do filme “Embalos de Sábado à Noite” onde tínhamos o júri técnico formado primeiramente por aqueles que se julgavam serem os melhores dançarinos da época e que julgavam a parte técnica da dança tempo contra tempo, erros, passos inéditos, quantidades de passos, qualidade dos passos e dificuldades dos passos, em alguns festivais tinha-se também o chamado júri popular onde se escolhiam alguns frequentadores destes bailes para junto com o júri técnico escolherem os melhores em uma escala de um a dez ou de dez a cem.
Lembrando que as regras e o formato destes festivais variavam de bairro para bairro ou mesmo vila para vila.
O samba-rock pode ser considerado uma fusão do samba com ritmos americanos, como o bebop, o jazz e o soul. O samba-rock como forma de dança sofreu influências do rockabilly dos anos 50 e 60, só que com movimentos mais suaves, sem passos aéreos, porém com muitos giros, tanto do cavalheiro quanto da dama. Foi uma forma de dança dos bailes negros da periferia de São Paulo, desde os anos 60, com pitadas de maxixe e os giros do rock dos anos 50.
Tecnicamente, nas composições de samba-rock é feito um deslocamento da acentuação rítmica, cujo compasso binário do samba (2/4) é adaptado ao compasso quaternário (4/4) do rock e da soul music, utilizando ainda naipes de metais importados dos grupos de soul e funk americanos.
            Na virada dos anos 60 para os 70, o Brasil testemunhou a definição de um novo gênero musical, a partir da fusão das bases rítmicas e temáticas do samba com um discurso e uma musicalidade absorvidos diretamente da música negra americana. Já há algum tempo, músicos oriundos de diversas tendências, conectados com as influências da cultura internacional, dialogavam, criando novos ritmos a partir da fusão da matriz comum do arquigênero do samba com o jazz, o rock e a soul music. Paralelamente a este cenário musical novas experimentações interpretativas eram desenvolvidas em São Paulo por negros das periferias, que criaram os primeiros passos de uma dança que misturava influências coreográficas do rockabilly americano à marcação do samba. A esta nova dança convencionou-se chamar samba-rock, que acabou por definir também uma nova maneira de se fazer música, um novo gênero musical.
Estruturalmente, samba-rock é a denominação dada ao samba interpretado à base de guitarra, no estilo popularizado por vários artistas, cujo ícone foi Jorge Ben, embora o mesmo não goste do termo. Em várias regiões do país, artistas desenvolviam paralelamente músicas dentro do conceito da mistura do samba com o rock e com o soul. Em Porto Alegre costumava-se chamar de “suíngue”, “samba-rock” era mais utilizado em São Paulo e, no Rio de Janeiro, expressões como “sambalanço” e, posteriormente, “samba-soul” eram mais recorrentes. Apesar dos sotaques musicais diferentes, a matriz da fusão era sempre mantida, com a modulação rítmica clássica do Rock and Roll, composta por bateria, baixo, guitarra e teclados, articulada à levada do samba através do violão, da cuíca, do pandeiro e da timba.
Em fins dos anos 50, com o crescimento da influência cultural americana no pós-guerra, por conta de uma maior circulação global de mercadorias culturais, e com o maior acesso a aparelhos eletro-eletrônicos como vitrolas, rádios, televisores e a bens culturais como os discos de vinil, houve um maior contato com musicalidades estrangeiras. O trânsito de produtos e práticas intensificou-se com a expansão dos meios de comunicação de massa e com a instalação de filiais de produção das grandes majors fonográficas em várias partes do mundo, que buscavam criar e alimentar novos mercados. Este contexto contribuiu para a constituição de uma produção internacional-popular, intensificando o sistema de trocas simbólicas onde “os artistas, agentes da criação artística, aproximam-se do processo de produção, antes intermediado e realizado pela grande indústria. O mercado começa a oferecer uma profusão de estilos, subgêneros e mesclas de toda sorte”. É neste contexto em que a produção de música popular no Brasil começa a adquirir referências culturais globais com mais intensidade, não só como resultado de eficazes estratégias de marketing da indústria, voltadas para a segmentação do mercado, como também um reflexo de grandes trocas simbólicas entre o local e o global, tanto na produção criativa de artistas como na emergência de novas identidades culturais. Artistas populares como Jackson do Pandeiro, paraibano de origem e sucesso da época de ouro do rádio, ficou conhecido por cantar músicas regionais nordestinas, como cocos e baiões, que serviam como veículo de registro e crítica de um cenário cultural que se transformava. Foi ele quem gravou, de autoria de Gordurinha e Almira Castilha, então sua mulher, uma composição que fazia uma alusão crítica à invasão americana na música brasileira, “Chiclete com Banana”, em 1959.
Na busca das raízes desta nova musicalidade, Jackson poderia ser considerado o primeiro músico de que se tem registro a empregar o termo “samba-rock”. Contudo, o disco lançado em 57 do violonista Bola Sete, “E Aqui Está o Bola Sete”, pela gravadora Odeon, já trazia na ficha técnica da faixa “Bacará” (ou “Baccara”, provavelmente em homenagem a uma famosa boate carioca da época) a menção “samba-rock" como gênero musical. De fato, partindo do ritmo clássico do rock’n roll, a música incorporava a levada de samba, transformando-se em algo raro para aquele momento. Desde o final dos anos 40, Bola Sete já vinha experimentando diversas fusões musicais, gravando vários choros com violão elétrico, além de foxtrotes e baiões, entre outros gêneros. Em 58 também gravou outra música rotulada como samba-rock, "Mister Jimmy". E, de qualquer maneira, no selo do disco de 78 rpm de Jackson do Pandeiro, na informação técnica sobre a faixa “Chiclete com Banana”, está lá: "samba-coco".
Além de trabalhar no rádio, Bola Sete tocou em várias boates cariocas, que compunham o cenário cultural do Rio de Janeiro pré-bossa-nova dos anos 50, como a boate Vogue e a Drink, de Djalma Ferreira, também músico, cujo solovox (pequeno teclado incorporado ao piano, precursor dos sintetizadores) rivalizava com as noites no Arpège, de Waldir Calmon, pianista e tecladista. Segundo a jornalista Cláudia Assef, em seu livro Todo DJ já Sambou (2003), Waldir Calmon junto com o conjunto Bolão e Seus Roquetes seriam os verdadeiros precursores do samba-rock, sendo tocados nos primeiros bailes com música eletrônica de São Paulo, no final da década de 50.
Estes e outros músicos dialogavam entre si e criavam fusões musicais que articulavam a música brasileira com a norte-americana, favorecendo uma especial penetração de suas composições nos gostos do público da época. Assim, surgiram novas expressões musicais como o samba-jazz e o sambalanço, subgêneros de fronteiras estéticas muito próximas, e que podem ser considerados precursores diretos da bossa nova e também do samba-rock.
O samba-jazz tinha uma ligação direta com o jazz, mais voltado para composições instrumentais, enquanto que o sambalanço era associado a um novo samba urbano. Este foi introduzido na metade da década de 1950 por profissionais ligados à música de dança produzida por orquestras e conjuntos de boates cariocas e paulistas, influenciados pelas big bands americanas. Nas raízes precursoras do também chamado “samba de balanço”, pode-se ir ao samba-espetáculo da era de exaltação do Estado Novo, onde compositores como Ary Barroso (figura forte da época de ouro do rádio brasileiro e autor de “Aquarela do Brasil" e “Na Baixa do Sapateiro”) remodelaram o ritmo do samba, no sentido de englobar os passos largos da dança de salão, abrindo espaço para repiques e intersecções de percussão e metais, criando sonoridades mais grandiloquentes.
O desenvolvimento do sambalanço se deu a partir do crescimento vertical da população urbana e da multiplicação de casas noturnas frequentadas por plateias de média e alta classe. Em contraponto aos minúsculos palcos da bossa nova do Beco das Garrafas.
O Beco das Garrafas é uma rua sem saída do bairro de Copacabana, Rio de Janeiro, onde, em 1961, surgiram várias pequenas casas de espetáculo e a bossa nova floresceu. O nome Beco das Garrafas deve-se ao fato da vizinhança, na época, atirar garrafas no beco por causa da intensa atividade musical do lugar, em Copacabana, onde a música era para ser ouvida e mal havia espaço para a prática da dança de salão, surgiam grandes boates, que serviram de palco para a definição destes novos gêneros, com uma maior separação da bossa nova, a partir da atuação do organista Ed Lincoln, do violão sincopado de Durval Ferreira, o “rei dos bailes”, e de Orlandivo (chamado de “o sambista da chave”, por utilizar um chaveiro como acompanhamento percussivo), entre outros. Todos estes músicos conviviam e apresentavam-se no Beco das Garrafas, onde também tocava J.T. Meirelles, instrumentista considerado o criador do samba-jazz. Junto com seu conjunto Copa 5, praticava um estilo musical com influências do bop de Sonny Rollins e do cool jazz de Stan Getz, mesclados aos ritmos do samba.
J.T. Meirelles também fez os arranjos e tocou nos primeiros discos de um jovem cantor do Beco das Garrafas, ainda desconhecido, que dava os primeiros passos de sua carreira como crooner: Jorge Ben. Tocando e cantando bossa nova e rock, Jorge Ben costumava apresentar-se em festinhas de amigos, até começar a cantar profissionalmente. Em 1963 foi contratado pela gravadora Philips, lançando seu primeiro 78 rpm que obteve grande êxito. Também naquele ano foram lançados o primeiro LP, “Samba esquema novo”, e o segundo, “Sacudin Ben Samba”, também de bastante sucesso. Autodidata, Ben não conseguia imitar a técnica refinada dos músicos da bossa-nova, e acabou desenvolvendo uma maneira original de tocar violão, a partir de uma batida inusitada que misturava rock ao estilo intimista do seu ídolo, João Gilberto. Com mais de 100 mil cópias vendidas logo do primeiro LP, Jorge Ben, em seus trabalhos posteriores, começou a sair do encalço da bossa nova que havia norteado suas primeiras gravações. Fundindo as raízes de uma musicalidade afro-brasileira com as influências norte-americanas, Jorge Ben contribuiu fundamentalmente para a gênese do samba-rock com suas complexas combinações rítmicas, que influenciaram toda uma geração de novos compositores. Seu estilo de canto falado, similar aos cantores americanos de blues, aliado ao repente brasileiro, tornou-o capaz de dar melodia e ritmo às frases menos musicais. Com uma carreira de sucesso, dotado de estilo único, transitou por diversos gêneros e estilos com igual desenvoltura.
Como reflexo deste movimento musical no Rio de Janeiro, onde se desenvolviam as bases rítmicas de um novo gênero, em bailes e festas das periferias de São Paulo jovens negros produziam uma outra interpretação destas fusões entre música brasileira e estrangeira, a partir da criação de um novo jeito de dançar. A ele convencionou-se chamar de samba-rock, nome criado por disc jóqueis da época, e adotado pelos frequentadores dos bailes e festas dos guetos negros paulistanos.
Na década de 50, os melhores salões de baile espalhavam-se pelo centro e pela zona sul paulista. Animados por grandes orquestras famosas, o alto preço dos ingressos e o preconceito racial vetava o acesso de um público negro a esses bailes. Nesta época, já existiam os equipamentos de som Hi-Fi, e o preço dos discos também se tornava um pouco mais acessível. Frustrado como tantos outros por não poder frequentar os grandes salões, em 59, Osvaldo Pereira, técnico eletrônico e vendedor de discos, construiu um sistema de som com pouco mais de cem watts de potência e decidiu organizar e sustentar um baile em um salão chique da cidade, mas sem uma orquestra. Assim criou a Orquestra Invisível Let’s Dance, e tornou-se o primeiro DJ do Brasil de que se tem registro.
O baile, mais barato que o habitual por não ter o custo dos músicos, fez sucesso, e outros discotecários animaram-se e fundaram várias orquestras invisíveis. Até meados dos anos 60, o que as orquestras invisíveis tocavam era um som bem fiel ao das orquestras de carne e osso, como Glenn Miller e Ray Conniff. Sucessos do mercado fonográfico estrangeiro que, de outra forma, não poderiam chegar até uma população de baixa renda. Junto ao rádio, os bailes funcionavam como “filtros”, facilitando o acesso a esta cultura internacional. Entre os nacionais, os preferidos eram os sambalanços de Bolão e Waldir Calmon, Elza Soares e Ed Lincoln. Em uma etapa posterior, sucessos da black music americana como Al Green também eram tocados nos bailes. Samba-rock era apenas mais um dos estilos que fazia parte do set list dos bailes. O estilo de dança que se desenvolveu no espaço destes bailes das orquestras invisíveis era adaptado diretamente das danças americanas da moda, como o twist e o swing, incorporando também movimentos dos ritmos caribenhos. A dança, praticada do mesmo jeito há mais de quarenta anos, sofreu poucas alterações e os passos podiam ser realizados ao som de vários outros gêneros musicais. Em dupla, os bailarinos cruzam seus braços sobre a cabeça do outro, em rodopios e movimentos curtos que seguem uma batida cadenciada, em quatro tempos. Em geral, o homem conduz a mulher em uma espécie de rockabilly, mas sem passos aéreos, com os parceiros mais próximos e as mãos sempre unidas, e os pés acompanhando a batida do samba.
Com o passar do tempo, aos poucos as orquestras invisíveis foram sendo substituídas pelos embriões das primeiras equipes de som, que seriam as organizadoras dos grandes bailes black nos anos 70, responsáveis pela difusão e pelo sucesso da black music no Brasil. O samba-rock e a soul music “made in Brasil” tornou-se febre não só nas periferias como também no mercado musical de São Paulo, Rio de Janeiro, e outras cidades do Sul e Sudeste. Através do trabalho dos DJs destas equipes, artistas negros como Jorge Ben e Tim Maia começaram a ganhar mais destaque nos set lists dos bailes black, dentro de um contexto de valorização da cultura negra.
Cada vez atingindo um público maior, inclusive em outros estados, estas festas foram profissionalizando-se e, em meados dos anos 70, surgiram as grandes equipes de som (ou “equipes de baile”, como se chamava em São Paulo) como as paulistas Zimbabwe e Chic Show. No Rio, foram criadas, entre outras, a Soul Grand Prix, Cash Box e a Furacão 2000. As equipes investiam em sonorização e divulgação, introduzindo novas músicas nos bailes, e até mesmo organizando grandes shows com artistas famosos, em noites que chegavam a reunir 80 mil pessoas. Os bailes black foram os responsáveis pela aplicação direta dos ideais do black power na vida cotidiana de milhares de jovens negros das cidades brasileiras. Era a representação de toda uma cultura musical negra paralela que não chegava à grande mídia, e que passou, a partir daquele momento, a infiltrar-se no gosto do público consumidor brasileiro.
A mobilização em torno da conscientização racial camuflada de diversão acabou por configurar um movimento, atraindo os holofotes da mídia. A imprensa, percebendo o efervescente movimento que mobilizava milhares de jovens pobres e negros, batizou o fenômeno de Black Rio. As festas no subúrbio e na zona sul foram responsáveis pelo enorme índice de venda de discos black, superando, inclusive, o rock dos Rolling Stones ou do Led Zeppelin. Os frequentadores destas festas eram vistos como um enorme mercado em potencial. Inicialmente foram lançadas coletâneas com os principais sucessos dos bailes (muitas delas eram assinadas pelas equipes de som e pelos DJs de maior prestígio) e novos artistas nacionais que cantavam soul music começaram a surgir, como a Banda Black Rio, criada por encomenda pela gravadora WEA em 77, que aprofundou as experimentações sonoras em torno de um som instrumental que mesclava o samba ao funk americano.
A disco music, também importada dos Estados Unidos e feita para as pistas dos clubs, encontrou solo frutífero no Brasil. Mesclando ingredientes do soul e do rock, a disco abriu caminho para o sucesso do gênero e para a febre da discoteca, que se espalhou por todo o mundo. A diva disco brasileira foi a paulistana Lady Zu (Zuleide Santos da Silva), que estourou com a música “A Noite Vai Chegar” (Philips), em 1977, vendendo milhares de cópias. Sofrendo inúmeras críticas, o movimento black foi arrefecendo. Em 1970, Jorge Ben se une ao Trio Mocotó, lançando Muita Zorra, LP com hits do samba-rock e 2 músicas de Roberto e Erasmo Carlos (Coqueiro Verde e O Sorriso de Narinha).
O ritmo atingiu o auge nas décadas de 70 e 80, nos bailes black da periferia. Em São Paulo, os bailes de periferia também ferviam ao som do samba-rock-suíngue, de nomes como o Trio Mocotó (que originalmente acompanhava Jorge Ben Jor), Copa 7, Luiz Vagner (que foi do grupo de jovem guarda Os Brasas, homenageado por Ben Jor com a música Luiz Vagner Guitarreiro), Branca Di Neve (falecido em 1989), Carlos Dafé, Dhema, Franco (também ex-Os Brasas), Abílio Manoel e Hélio Matheus.
Atingiu sua maior força com os compositores Bebeto, Bedeu e Luís Vagner, que podem ser considerados os verdadeiros representantes dessa música. Outros compositores contribuíram para que o ritmo permanecesse vivo até hoje, entre eles Carlos Dafé, Marku Ribas, Itamar Assunção e Branca di Neve.
O samba-rock passou a década de 80 e 90 praticamente fora da mídia, mas nunca desapareceu. Estava presente nos bailes nas periferias. Na periferia de São Paulo, ao longo dos anos 90, os bailes continuavam tocando as velhas músicas, que apareciam aqui e ali em coletâneas piratas vendidas em lojas do centro da cidade.
A partir de 2000, o samba-rock voltou à mídia e ganhou novos públicos dentro dos circuitos universitários. Nesta época, o Clube do Balanço e o Funk Como Le Gusta ajudaram a levar o samba-rock da periferia dos guetos paulistanos para a Vila Madalena, reduto paulistano de boêmios e universitários de classe média e alta.

domingo, 14 de agosto de 2011

Billy Paul - Your Song





Sintam-se à vontade para contribuir com esse trabalho. Não detenho profundo conhecimento sobre a história, na sua totalidade. As postagens inseridas neste blog vão de encontro com a minha vivência nos bailes da época.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Marvin Gaye - Sexual Healing


A História da nossa Black Music

     Há décadas a música negra norte-americana domina a programação da MTV, das rádios FMs e as noites de casas noturnas mundo afora. Esse sucesso todo começou a nascer faz séculos, mas foi a partir dos anos 60 do século 20 que as canções de James Brown e os lançamentos da gravadora Motown mostraram para o mundo o poder da black music. Antes disso, nem as consecutivas safras de talentosos músicos de jazz nem a paternidade do rock’n’roll deram à música negra norte-americana seu merecido reconhecimento.

     A trajetória da canção negra que nasce nos Estados Unidos e conquista o mundo começou há muito tempo. Entre os séculos 17 e 19, os escravos negros vindos da África para a América do Norte inventaram uma música que era uma espécie de lamento e alento, chamada de spiritual. Ela era o resultado do sincretismo dos cantos dos rituais religiosos africanos com o cristianismo e a música da Europa Ocidental. O spiritual se desenvolveu durante dois séculos no território da América do Norte fruto da relação entre os escravos negros africanos e os seus proprietários brancos europeus. A partir de então, os ritmos negros americanos não pararam de surgir e dominar o cenário da música popular nos Estados Unidos e ao redor do planeta. Blues, jazz, rock, soul, funk, rap, e uma infinidade de variações desses gêneros praticamente moldaram a maior parte da canção popular mais bem sucedida desde os anos 50.
     Apesar de que todas as variações da música afro-americana desde as suas origens podem ser classificadas como black music, o termo se popularizou associado às canções ao estilo soul e funk que fizeram sucesso nas décadas de 60 e 70. Mas, como veremos a seguir, a black music, além de um bem-sucedido megagênero musical, é também uma manifestação de toda uma movimentação histórica dos negros contra a marginalização racial e pelo fortalecimento de sua identidade cultural a partir dos Estados Unidos.

> Gospel, Blues e Jazz: os pilares da Black Music

     A black music começou a nascer quando os escravos africanos, trazidos para a América do Norte, criaram novas formas de se manifestar culturalmente. A interação entre o passado, das tradições culturais da África que traziam consigo, e o presente, representado pela imposição dos valores europeus e cristãos, resultou em originais expressões na dança, na linguagem, na religião e, principalmente, na música dos negros africanos e seus descendentes na América. Transmitidas oralmente de geração para geração, essas formas originais de expressão cultural foram fundamentais para os negros sobreviverem à opressão e enfrentar a dura realidade de trabalhos em condições subumanas, que persistiram mesmo após o fim da escravidão, como nas plantações de algodão do sul dos Estados Unidos.
     Uma das mais populares dessas manifestações era o canto religioso negro. Chamado de spiritual, ele se desenvolveu no século 18 com a adoção do cristianismo pela população negra como uma forma de “libertação”. Resultado da tradição religiosa afro-americana que se formou, o spiritual foi uma evolução das músicas de trabalho e de protesto cantadas pelos escravos no campo desde o século 17. Fora das tradições religiosas, as canções dos escravos evoluíram para na virada do século 19 para o 20 desembocar em dois novos gêneros: o blues e o jazz.
     Nascido no sul dos Estados Unidos, o blues surgiu como um gênero rural com sonoridade e letras melancólicas, cheias de angústia e que retrataram a dura realidade social dos negros. Décadas após a abolição, a rotina da população negra norte-americana ainda era de sofrimento e privações. As oportunidades de diversão estavam nos encontros dominicais nas missas nas Igrejas e nos bailes nas noites dos sábados, regados a uísque. Assim, formou-se uma tradição em que os domingos pertenciam ao Senhor, enquanto as noites de sábados ficavam a cargo do Diabo.
     Nessas noites de diversão e prazer, além de uísque e blues, havia também o ragtime, um ritmo que misturava as tradições orais com as influências européias e resultava num estilo único e animado de tocar piano. Em pouco tempo, a junção do blues e do ragtime daria origem a um novo gênero, o jazz. Pequenas bandas de músicos negros faziam improvisações em cima de marchas com bases melódicas simples. O jazz evoluiu rapidamente para uma dança de salão das mais populares entre negros e brancos, e criou uma série de variações, como o swing e o bebop.     Ao longo da primeira metade do século 20, as músicas afro-americanas, sejam as religiosas, como o gospel (evolução do spiritual com canções que destacam vocais e coros e que expressam uma intensidade espiritual de forma dramática e emotiva), sejam as seculares, como o blues e o jazz, se popularizaram cada vez mais. Entre as décadas de 40 e 50, suas vertentes já totalmente urbanizadas dariam origem ao rhythm’n’blues (uma mistura de jazz e blues, com ênfase nos vocais, feita para dançar) e ao rock’n’roll, dois novos gêneros que dominariam a canção popular ao redor do planeta a partir de então.

> “Soul Music”, a época de ouro da música negra

     O sucesso do rock na década de 50, apesar de um gênero forjado na fusão dos ritmos afro-americanos com a country music, não deu todo o destaque que os artistas negros mereciam. O reconhecimento e a conquista das paradas de sucesso para os afro-americanos só viriam na década seguinte com a soul music, ou a “música de Negro”. A soul music era uma mistura de gospel e rhythm’n’blues. O gênero começou a ganhar feições com as canções de Ray Charles e Sam Cooke ainda nos anos 50. Mas foi com o surgimento da gravadora independente Motown no começo dos anos 60 que a soul music ganhou o mundo. Além da Motown, de Detroit, as também independentes Atlantic, da Filadélfia, e Stax, de Memphis, se destacaram ao lançarem os principais nomes do gênero nos anos 60 e 70. O surgimento e o sucesso da soul music foram simultâneos ao desenvolvimento do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. A luta contra a segregação racial resultou em mudanças nas legislações racistas no país e no fortalecimento do movimento pela valorização da cultura negra. Além disso, as ações políticas dos negros ganharam peso com as atuações pacifistas do reverendo Martin Luther King Jr e a movimentação nem um pouco pacifista da organização política Panteras Negras, adepta do lema “black power”. Produto direto desses momentos efervescentes e dessa busca pelas conquistas sociais, econômicas e políticas nos anos 60 e 70, a soul music oferecia um repertório composto em sua maior parte por baladas que têm o amor como tema central. Mas havia também canções “engajadas” que enfatizavam o orgulho da herança africana e as precárias condições de vida enfrentadas pela grande maioria dos negros americanos.
     O sucesso que a soul music fez a partir dos anos 60 acompanhou as conquistas dos negros na sociedade americana. Ao mesmo tempo em que as canções do gênero ocupavam os primeiros lugares das paradas de sucesso nos Estados Unidos, e também no Reino Unido, surgiram novas oportunidades econômicas e de participação política, mudanças culturais e ações concretas que eliminaram as legislações segregacionistas.Nessa era de ouro da soul music, algumas músicas e artistas viraram fenômenos. Um deles foi Marvin Gaye, com suas canções com forte conotação sexual, como “Let’s Get It On” e “Sexual Healing”. Aretha Franklin com sua notável voz oriunda da canção gospel tornou-se a “Rainha do Soul”, a partir de sucessos como “Respect” e “I Say a Little Prayer”. Outra migração bem-sucedida do gospel para o pop da soul music foi a do dueto Sam & Dave. Os cantores Sam Moore e Dave Prater chegaram ao número um das paradas de rhythm’n’blues com as canções “Hold On, I’m A-Comin” e “Soul Man”. Liderado por Diana Ross, o grupo vocal feminino Supremes emplacou sucesso atrás de sucesso nos anos 60, como “Baby Love” e “Stop! In the Name of Love”. Ainda na linha de baladas românticas, que reuniam melodias perfeitas e a beleza lírica das letras, destacaram-se nessa época Ray Charles, Sam Cooke, Dionne Warwick, Temptations e Otis Redding. A soul music reuniu uma geração de incomparáveis compositores, intérpretes e músicos. Um marco não só na história da música negra como de toda a cultura pop.

     Mas tinha mais. Antes mesmo de Aretha Franklin ser coroada a “Rainha do Soul”, o título de padrinho do gênero ficou com James Brown. Desde meados dos anos 50, ele de um lado e Sam Cooke de outro começaram a inventar a soul music. Brown fez com suas misturas de gospel e rhythm’n’blues e sob influência dos rocks de Little Richards um caldeirão de ritmos alucinadamente dançantes e com letras bombásticas, como nos sucessos “I Got You (I Feel Good)” ou “Get Up (I Feel Like Being A) Sex Machine”. No meio do sucesso da soul music que ele fez nascer, Brown começou a inventar um novo ritmo, o funk, e com ele uma nova forma de dançar. Uma versão anárquica do soul com ênfase na sonoridade do baixo e da percussão, o funk iniciou um novo ciclo de influências da black music que desaguaria na disco music e no hip hop nos anos 70.

> Do Funk ao Hip Hop: a Black Music nos anos 70

     O funk inventado por James Brown, a versão mais energética, dançante e expansiva da soul music, misturou-se à onda psicodélica do final dos anos 60 e ingressou na década de 70 como um dos gênero mais populares. O sucesso de artistas e grupos como George Clinton e Funkadelic, Earth, Wind & Fire, Kool & The Gang e Jackson 5 ditou uma nova moda com suas roupas coloridas, cabelos black power e danças coreografadas. Isso, no entanto, não ofuscou a soul music composta por baladas românticas que continuava a produzir hits através de Marvin Gaye, Roberta Flack, Diana Ross, Al Green, Stevie Wonder e Barry White.
     Nessa trajetória, a música negra não deixou para trás seu engajamento. Um dos pontos altos desse compromisso foi o Wattstax, um megaconcerto, uma espécie de versão da música negra para Woodstock. Realizado no Memorial Coliseum, de Los Angeles, em 1972, o show relembrou os conflitos raciais que tomaram conta do bairro de população majoritariamente negra de Watts, na região sul de Los Angeles, e que resultaram na morte de 34 pessoas. Promovido pela gravadora Stax, de Memphis, o concerto reuniu alguns dos principais nomes da música negra do gospel ao blues, do soul ao funk, com destaque para a participação de Isaac Hayes.
     A trajetória da soul music influenciou na segunda metade da década de 70 o surgimento da disco music, ou música de discoteca, e principalmente do rap e da cultura hip hop. A música de discoteca surge como uma versão mais branda do funk e menos engajada do que o soul dos anos 60. Feita para divertir e dançar, ela traz o suingue típico da black music e é propositadamente superficial e sensual. A partir dos anos 80, as características dançantes e a sonoridade da soul music continuaram a influenciar os trabalhos de artistas como Prince e Lenny Kravitz.
Já outra herança do soul nos anos 70 é o rap (ritmo e poesia). Popularizado em Nova Iorque como uma mistura do funk com os “toasters” (espécie de discurso normalmente engajado em temas sociais) dos DJs de reggae, e baseado no uso dos sound systems, conforme a tradição dos guetos jamaicanos, o rap tornou-se o elemento central do hip hop, um fenômeno cultural que se estenderia pelas décadas seguintes.
     A black music, do spiritual ao rap, tem demonstrado a vitalidade e a inventividade da cultura negra nos Estados Unidos, a partir do contínuo processo de transformação e atualização dela com elementos de outras culturas. Um processo que se iniciou com o sincretismo das tradições africanas levadas pelos escravos com a cultura européia e cristã. Sua força é tal que ela tem sido a base dos principais gêneros da música popular que têm dominado o mercado mundial.