Sintam-se à vontade para contribuir com esse trabalho. Não detenho profundo conhecimento sobre a época, na sua totalidade. As postagens inseridas neste blog vão de encontro com a minha vivência nos bailes da época.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A História da nossa Black Music

     Há décadas a música negra norte-americana domina a programação da MTV, das rádios FMs e as noites de casas noturnas mundo afora. Esse sucesso todo começou a nascer faz séculos, mas foi a partir dos anos 60 do século 20 que as canções de James Brown e os lançamentos da gravadora Motown mostraram para o mundo o poder da black music. Antes disso, nem as consecutivas safras de talentosos músicos de jazz nem a paternidade do rock’n’roll deram à música negra norte-americana seu merecido reconhecimento.

     A trajetória da canção negra que nasce nos Estados Unidos e conquista o mundo começou há muito tempo. Entre os séculos 17 e 19, os escravos negros vindos da África para a América do Norte inventaram uma música que era uma espécie de lamento e alento, chamada de spiritual. Ela era o resultado do sincretismo dos cantos dos rituais religiosos africanos com o cristianismo e a música da Europa Ocidental. O spiritual se desenvolveu durante dois séculos no território da América do Norte fruto da relação entre os escravos negros africanos e os seus proprietários brancos europeus. A partir de então, os ritmos negros americanos não pararam de surgir e dominar o cenário da música popular nos Estados Unidos e ao redor do planeta. Blues, jazz, rock, soul, funk, rap, e uma infinidade de variações desses gêneros praticamente moldaram a maior parte da canção popular mais bem sucedida desde os anos 50.
     Apesar de que todas as variações da música afro-americana desde as suas origens podem ser classificadas como black music, o termo se popularizou associado às canções ao estilo soul e funk que fizeram sucesso nas décadas de 60 e 70. Mas, como veremos a seguir, a black music, além de um bem-sucedido megagênero musical, é também uma manifestação de toda uma movimentação histórica dos negros contra a marginalização racial e pelo fortalecimento de sua identidade cultural a partir dos Estados Unidos.

> Gospel, Blues e Jazz: os pilares da Black Music

     A black music começou a nascer quando os escravos africanos, trazidos para a América do Norte, criaram novas formas de se manifestar culturalmente. A interação entre o passado, das tradições culturais da África que traziam consigo, e o presente, representado pela imposição dos valores europeus e cristãos, resultou em originais expressões na dança, na linguagem, na religião e, principalmente, na música dos negros africanos e seus descendentes na América. Transmitidas oralmente de geração para geração, essas formas originais de expressão cultural foram fundamentais para os negros sobreviverem à opressão e enfrentar a dura realidade de trabalhos em condições subumanas, que persistiram mesmo após o fim da escravidão, como nas plantações de algodão do sul dos Estados Unidos.
     Uma das mais populares dessas manifestações era o canto religioso negro. Chamado de spiritual, ele se desenvolveu no século 18 com a adoção do cristianismo pela população negra como uma forma de “libertação”. Resultado da tradição religiosa afro-americana que se formou, o spiritual foi uma evolução das músicas de trabalho e de protesto cantadas pelos escravos no campo desde o século 17. Fora das tradições religiosas, as canções dos escravos evoluíram para na virada do século 19 para o 20 desembocar em dois novos gêneros: o blues e o jazz.
     Nascido no sul dos Estados Unidos, o blues surgiu como um gênero rural com sonoridade e letras melancólicas, cheias de angústia e que retrataram a dura realidade social dos negros. Décadas após a abolição, a rotina da população negra norte-americana ainda era de sofrimento e privações. As oportunidades de diversão estavam nos encontros dominicais nas missas nas Igrejas e nos bailes nas noites dos sábados, regados a uísque. Assim, formou-se uma tradição em que os domingos pertenciam ao Senhor, enquanto as noites de sábados ficavam a cargo do Diabo.
     Nessas noites de diversão e prazer, além de uísque e blues, havia também o ragtime, um ritmo que misturava as tradições orais com as influências européias e resultava num estilo único e animado de tocar piano. Em pouco tempo, a junção do blues e do ragtime daria origem a um novo gênero, o jazz. Pequenas bandas de músicos negros faziam improvisações em cima de marchas com bases melódicas simples. O jazz evoluiu rapidamente para uma dança de salão das mais populares entre negros e brancos, e criou uma série de variações, como o swing e o bebop.     Ao longo da primeira metade do século 20, as músicas afro-americanas, sejam as religiosas, como o gospel (evolução do spiritual com canções que destacam vocais e coros e que expressam uma intensidade espiritual de forma dramática e emotiva), sejam as seculares, como o blues e o jazz, se popularizaram cada vez mais. Entre as décadas de 40 e 50, suas vertentes já totalmente urbanizadas dariam origem ao rhythm’n’blues (uma mistura de jazz e blues, com ênfase nos vocais, feita para dançar) e ao rock’n’roll, dois novos gêneros que dominariam a canção popular ao redor do planeta a partir de então.

> “Soul Music”, a época de ouro da música negra

     O sucesso do rock na década de 50, apesar de um gênero forjado na fusão dos ritmos afro-americanos com a country music, não deu todo o destaque que os artistas negros mereciam. O reconhecimento e a conquista das paradas de sucesso para os afro-americanos só viriam na década seguinte com a soul music, ou a “música de Negro”. A soul music era uma mistura de gospel e rhythm’n’blues. O gênero começou a ganhar feições com as canções de Ray Charles e Sam Cooke ainda nos anos 50. Mas foi com o surgimento da gravadora independente Motown no começo dos anos 60 que a soul music ganhou o mundo. Além da Motown, de Detroit, as também independentes Atlantic, da Filadélfia, e Stax, de Memphis, se destacaram ao lançarem os principais nomes do gênero nos anos 60 e 70. O surgimento e o sucesso da soul music foram simultâneos ao desenvolvimento do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. A luta contra a segregação racial resultou em mudanças nas legislações racistas no país e no fortalecimento do movimento pela valorização da cultura negra. Além disso, as ações políticas dos negros ganharam peso com as atuações pacifistas do reverendo Martin Luther King Jr e a movimentação nem um pouco pacifista da organização política Panteras Negras, adepta do lema “black power”. Produto direto desses momentos efervescentes e dessa busca pelas conquistas sociais, econômicas e políticas nos anos 60 e 70, a soul music oferecia um repertório composto em sua maior parte por baladas que têm o amor como tema central. Mas havia também canções “engajadas” que enfatizavam o orgulho da herança africana e as precárias condições de vida enfrentadas pela grande maioria dos negros americanos.
     O sucesso que a soul music fez a partir dos anos 60 acompanhou as conquistas dos negros na sociedade americana. Ao mesmo tempo em que as canções do gênero ocupavam os primeiros lugares das paradas de sucesso nos Estados Unidos, e também no Reino Unido, surgiram novas oportunidades econômicas e de participação política, mudanças culturais e ações concretas que eliminaram as legislações segregacionistas.Nessa era de ouro da soul music, algumas músicas e artistas viraram fenômenos. Um deles foi Marvin Gaye, com suas canções com forte conotação sexual, como “Let’s Get It On” e “Sexual Healing”. Aretha Franklin com sua notável voz oriunda da canção gospel tornou-se a “Rainha do Soul”, a partir de sucessos como “Respect” e “I Say a Little Prayer”. Outra migração bem-sucedida do gospel para o pop da soul music foi a do dueto Sam & Dave. Os cantores Sam Moore e Dave Prater chegaram ao número um das paradas de rhythm’n’blues com as canções “Hold On, I’m A-Comin” e “Soul Man”. Liderado por Diana Ross, o grupo vocal feminino Supremes emplacou sucesso atrás de sucesso nos anos 60, como “Baby Love” e “Stop! In the Name of Love”. Ainda na linha de baladas românticas, que reuniam melodias perfeitas e a beleza lírica das letras, destacaram-se nessa época Ray Charles, Sam Cooke, Dionne Warwick, Temptations e Otis Redding. A soul music reuniu uma geração de incomparáveis compositores, intérpretes e músicos. Um marco não só na história da música negra como de toda a cultura pop.

     Mas tinha mais. Antes mesmo de Aretha Franklin ser coroada a “Rainha do Soul”, o título de padrinho do gênero ficou com James Brown. Desde meados dos anos 50, ele de um lado e Sam Cooke de outro começaram a inventar a soul music. Brown fez com suas misturas de gospel e rhythm’n’blues e sob influência dos rocks de Little Richards um caldeirão de ritmos alucinadamente dançantes e com letras bombásticas, como nos sucessos “I Got You (I Feel Good)” ou “Get Up (I Feel Like Being A) Sex Machine”. No meio do sucesso da soul music que ele fez nascer, Brown começou a inventar um novo ritmo, o funk, e com ele uma nova forma de dançar. Uma versão anárquica do soul com ênfase na sonoridade do baixo e da percussão, o funk iniciou um novo ciclo de influências da black music que desaguaria na disco music e no hip hop nos anos 70.

> Do Funk ao Hip Hop: a Black Music nos anos 70

     O funk inventado por James Brown, a versão mais energética, dançante e expansiva da soul music, misturou-se à onda psicodélica do final dos anos 60 e ingressou na década de 70 como um dos gênero mais populares. O sucesso de artistas e grupos como George Clinton e Funkadelic, Earth, Wind & Fire, Kool & The Gang e Jackson 5 ditou uma nova moda com suas roupas coloridas, cabelos black power e danças coreografadas. Isso, no entanto, não ofuscou a soul music composta por baladas românticas que continuava a produzir hits através de Marvin Gaye, Roberta Flack, Diana Ross, Al Green, Stevie Wonder e Barry White.
     Nessa trajetória, a música negra não deixou para trás seu engajamento. Um dos pontos altos desse compromisso foi o Wattstax, um megaconcerto, uma espécie de versão da música negra para Woodstock. Realizado no Memorial Coliseum, de Los Angeles, em 1972, o show relembrou os conflitos raciais que tomaram conta do bairro de população majoritariamente negra de Watts, na região sul de Los Angeles, e que resultaram na morte de 34 pessoas. Promovido pela gravadora Stax, de Memphis, o concerto reuniu alguns dos principais nomes da música negra do gospel ao blues, do soul ao funk, com destaque para a participação de Isaac Hayes.
     A trajetória da soul music influenciou na segunda metade da década de 70 o surgimento da disco music, ou música de discoteca, e principalmente do rap e da cultura hip hop. A música de discoteca surge como uma versão mais branda do funk e menos engajada do que o soul dos anos 60. Feita para divertir e dançar, ela traz o suingue típico da black music e é propositadamente superficial e sensual. A partir dos anos 80, as características dançantes e a sonoridade da soul music continuaram a influenciar os trabalhos de artistas como Prince e Lenny Kravitz.
Já outra herança do soul nos anos 70 é o rap (ritmo e poesia). Popularizado em Nova Iorque como uma mistura do funk com os “toasters” (espécie de discurso normalmente engajado em temas sociais) dos DJs de reggae, e baseado no uso dos sound systems, conforme a tradição dos guetos jamaicanos, o rap tornou-se o elemento central do hip hop, um fenômeno cultural que se estenderia pelas décadas seguintes.
     A black music, do spiritual ao rap, tem demonstrado a vitalidade e a inventividade da cultura negra nos Estados Unidos, a partir do contínuo processo de transformação e atualização dela com elementos de outras culturas. Um processo que se iniciou com o sincretismo das tradições africanas levadas pelos escravos com a cultura européia e cristã. Sua força é tal que ela tem sido a base dos principais gêneros da música popular que têm dominado o mercado mundial.




Nenhum comentário:

Postar um comentário